Cia Teatral Abdias Nascimento

TEATRO NEGRO NA BAHIA

Poeta sonha em ser 'branco e alvo' em 'O Emparedado'

Cruz e Souza: o poeta emparedado

"O Emparedado", peça escrita em 1949 pelo poeta curitibano Tasso da Silveira (1895-1968), é o segundo texto a ser apresentado no projeto "Abriu de Leituras", no dia 28 de maio (quarta-feira), no Espaço Cultural da Barroquinha. A montagem tem direção e atuação da Companhia Gente de Teatro da Bahia. O evento é financiado pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (Secult), com entrada franca.

Dividida em dois atos, um intermédio e um ato final, a peça é ambientada numa casa simples, onde moram João, um poeta negro, e sua esposa Maria. João vive alucinado por sua escrita e tomado pelo sonho de ser branco. Como isso lhe é impossível, o poeta toca a vida escrevendo sobre a suprema brancura e para uma mulher branca que ama em segredo. Ele carrega o fardo de sofrimento por ser negro e ter se casado com Maria, também negra. Com esta, teve um filho que não sobreviveu e, por este motivo, ao mesmo tempo, sofre e sente uma alegria diabólica pela morte da criança.

Após a perda do rebento, Maria fica sem forças para viver e também morre após descobrir, por meio das poesias do marido, que ele ama uma mulher branca.

No decorrer do texto, surgem dois personagens, Anselmo e Clarinda, ambos brancos, que são irmãos e fazem papel de grandes amigos da família.

Em seu intermédio, a narrativa apresenta João em diálogo com várias vozes que invadem sua memória para afirmar que sua condição de negro é o que faz com que sua vida seja um profundo calabouço.

A história se desenrola a partir da conversa entre Anselmo e João, na qual nota-se que o desejo do poeta é ser como o amigo: branco e alvo.

No último ato é revelada a paixão de João: numa conversa com Clarinda, ele homem confessa que é a ela a quem sempre desejou, a mulher da suprema brancura, para quem escreveu todas as noites. Ao fim da peça, não sendo correspondido, João cai em profunda depressão, ouvindo vozes que surgem em sua imaginação, gritando-o de “negro”.

INSPIRAÇÃO DA OBRA

"O Emparedado" é inspirado na vida do poeta negro Cruz e Souza (foto), porém sem caráter biográfico. Segundo o autor, a ideia foi transmitir o que considera a “essência dessa vida: a ânsia tremenda da beleza e o tremendo sofrimento”.

Esse “tremendo sofrimento”, explica SIlveira, é o fato de o personagem principal não se aceitar como é, considerando sua cor “um calabouço”, uma profunda desgraça, e sendo atormentado por uma sede insaciável pelo branco, síntese da beleza e da perfeição, inatingíveis por alguém da “sua raça maldita”.

Segundo Danielle Anatólio, pesquisadora do texto para o ciclo "Abriu de Leituras", a inclusão de "O Emparedado" na antologia "Dramas para Negros e prólogos para Brancos" representa a contribuição do Teatro Experimental do Negro (TEN) para as comemorações do centenário do nascimento de Cruz e Souza, datado de novembro de 1961.

O projeto, que celebra os dez anos da Companhia Teatral Abdias Nascimento (CAN), será aberto na próxima segunda (26), com uma mesa redonda intitulada “Teatro Negro: uma identidade cultural”.

SOBRE O AUTOR

Tasso da Silveira (Curitiba PR, 1895 - Rio de Janeiro RJ, 1968) formou-se bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, no Rio de Janeiro, em 1818, mesmo ano em que publicou seu primeiro livro de poesia, Fio d'Água. No ano seguinte, fundou e tornou-se diretor das revistas Os Novos, Árvore Nova, Terra do Sol, com Álvaro Pinto, América Latina, com Andrade Muricy e Cadernos da Hora Presente, com Rui de Arruda. Colaborou nos jornais O Momento, Rio-Jornal, A Manhã, e na Revista Sul-Americana. Foi secretário dos jornais Diário da Tarde e O Estado e redator do Diário da Manhã. Em 1927 fundou a revista Festa, com Andrade Muricy, publicada até 1928. Elegeu-se deputado estadual em Curitiba PR, em 1930.

Nas duas décadas seguintes foi professor catedrático de Literatura Portuguesa na Universidade Católica e de Literatura Brasileira no Instituto Santa Úrsula, no Rio de Janeiro. Foi também funcionário da Casa da Moeda, entre 1930 e 1960. Em 1956, foi homenageado com o prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras para o conjunto de sua obra. Fazem parte da obra poética de Tasso de Oliveira os livros As Imagens Acesas (1928), Definição do Modernismo Brasileiro (1932), Contemplação do Eterno (1952), Regresso à Origem (1960) e Puro Canto (1962), entre outros. Sua poesia filia-se à segunda geração do Modernismo.

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